Liberdade de Pensamento


Liberdade de pensamento é o único direito inalienável ao Homem em busca da liberdade total. É o poder que nos assiste em reflexão consciente, franca e livre. Mas expressá-la por escrito, musicada ou desenhada é, na maior parte das vezes, reprimida, suprimida, simplesmente riscada...

A liberdade de pensamento é um direito consagrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, adotada a 10 de dezembro de 1948. De acordo com o artigo 18:

“Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.

Hoje,14 de julho, Dia Mundial da Liberdade de Pensamento, quisemos prestar uma homenagem a todos os que dificilmente exercem este Direito de Liberdade. 

Convidámos o jornalista Adelino Gomes a escrever sobre este tema, que bem lhe tocou na alma enquanto profissional. 

O nosso agradecimento,
Coordenação de Ensino
Professores do EPE Suíça




Liberdade de Pensamento. Uma proposta portuguesa

Por Adelino Gomes

      Não há melhor do que um Dia Mundial para todas as bocas se encherem de loas: à Terra, aos Oceanos, à Criança, à Mulher, ao Livro, à Paz. A propósito de “Dia” e “Paz”, passa este ano um século, Almada Negreiros fez um diagnóstico a que é difícil resistir, tão certeiro continua a revelar-se: “Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa – salvar a humanidade“.*

         É a pensar nestas palavras que em vez de vos dizer o óbvio, vos proponho alguns exercícios práticos, para celebrarem em conjunto o Dia Mundial da Liberdade de Pensamento. Aquela a que Voltaire chamou a primeira das liberdades. Tão inicial, tão íntima, tão profunda, tão irrenunciável, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2020) a colocam num mesmo artigo, a par da liberdade de consciência e de religião.

        Através das palavras, que o expressam, os poetas, como ninguém, apreendem e ajudam-nos a ver a beleza e a descobrir a força transformadora do pensamento. Amando a literatura, proponho-lhes a leitura/escuta de quatro poemas (e mais um, fora de ordem, no final); e sendo jornalista (aqueles que captam, por palavras e imagens, o som e a luz que o pensamento emite ao exprimir-se, transformando-se em acção), sugiro-vos  uma incursão rápida ao site da ONG francesa Reporters Sans Frontières (RSF).

        Comecemos pela leitura e escuta dos quatro poemas e canções, numa ordem que nos conduz do sonho (Pedra Filosofal, de António Gedeão, musicado por Manuel Freire), ao puro pensamento (Não há machado que corte, de Carlos de Oliveira, musicado por Manuel Freire); e   destes ao convite a agir, sempre presente em José Afonso (Vejam Bem) e Manuel Alegre (Trova do Vento que Passa, música de António Portugal, interpretação de Adriano Correia de Oliveira).

       No site da RSF, explorem o ranking de 2021. Concentrem-se em quem ocupa, e porquê, os 5 primeiros e os 5 últimos lugares (de passagem, e por curiosidade, anotem as classificações de Portugal e da Suíça – 9.º e 10.º).

         Prossigam a reflexão visualizando em https://youtu.be/8r1GIzJ3cyI instantâneos do que foram as violações nestes últimos meses. A Leste e a Oeste, no Sul e também no Norte. E não apenas em regimes autoritários.  Verifiquem que elas tiveram rostos. De predadores e de vítimas.  

         A minha proposta tem um apêndice. Não basta lermos, ouvirmos e percebermos. É preciso tirar conclusões. Deixo o meu contributo, para juntar aos vossos. A lição que fui aprendendo destes todos, poetas e cantores, poderia resumi-la encadeando versos de cada um dos poemas que vos sugeri:

O sonho comanda a vida/ sempre que um homem sonha o mundo pula e avança;

Não há machado que corte/ a raiz ao pensamento;

Não há só gaivotas em terra/ quando um homem se põe a pensar;

Há sempre alguém que semeia/ canções no vento que passa/

Há sempre alguém que resiste/ Há sempre alguém que diz não.

         Acrescento-lhe a lição que tirei da minha vida profissional e de cidadão do mundo:  quando um homem é calado, um jornal encerrado, um jornalista morto (50 em 2020, 12 já esta ano), as vítimas não são apenas ele, a família, a empresa. Há uma segunda vítima: a sociedade, que fica privada de conhecer o produto do seu pensamento (contraponto, sinfonia,/ máscara grega, magia…), a investigação que ele estava a desenvolver, o testemunho que iria dar e que ajudaria a fortalecer o conhecimento e o exercício da cidadania. Sem jornais e jornalistas para a praticarem, não há, pois, liberdade de imprensa; mas sem cidadãos para a acarinharem e por ela lutarem, nada a salvará. Como nos aconselham a RSF: “Defender o jornalismo, é defender a liberdade de todos nós”.

       Prometi-vos um 5.º poema musicado. Escreveu-o David Mourão Ferreira, musicou-o Alain Oulman, canta-o para a eternidade Amália Rodrigues. O autor chamou-lhe Abandono. O povo, conhecedor da história (desafio-vos a pesquisarem qual), chamava-lhe Fado de Peniche. Pensamento e acção…

*O “diagnóstico” foi feito primeiro numa conferência em Lisboa (muito mal recebida por quem assistia), e depois num livro, editado em 1921 por Fernando Pessoa que, aliás, iniciou a sua tradução para inglês. Conferência e livro intitularam-se “A Invenção do Dia Claro”. Os mais curiosos (e gostava que fossem todos), podem aprofundar esta tema num PDF de acesso livre, muito interessante, da autoria do grande especialista pessoano, Jerónimo Pizarro, em https://www.academia.edu/1943794/A_Inven%C3%A7%C3%A3o_do_Dia_Claro

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Algumas notas biográficas do autor: https://view.genial.ly/607361d5c23eff0d865fdc2d)


Canção “Não há machado que corte” de Carlos de Oliveira, cantado por Manuel Freire.
Fonte: Youtube
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Créditos: Keith Haring
Fonte: https://rsf.org/